15 de outubro de 2011

A visão de Mahmoud El Masri sobre a dança do ventre nos dias de hoje.



Mahmoud El Masri é o nome artístico de Mahmoud Hassabou, um egípcio radicado no Brasil há 28 anos. Com excelente pronúncia e apenas um resquício do sotaque árabe, devido à longa permanência no Brasil, Mahmoud falou com propriedade sobre a dança do ventre em uma entrevista de pouco mais de uma hora de duração. Segundo Mahmoud, falar sobre dança do ventre é algo muito complexo. Principalmente no Brasil, onde muita gente se ofende com as críticas desse egípcio que é um profundo conhecedor dessa arte milenar. Ele considera um privilégio poder falar abertamente sobre todos os assuntos aqui e compara nossa liberdade de expressão às restrições de seu país de origem. “Na minha terra isso é uma coisa um pouco mais rara, mais difícil... Poder expressar da forma que a gente se expressa aqui. Então se eu vivo aqui, um dos maiores motivos é que eu me sinto mais livre, sou um cidadão e posso falar, elogiar, reclamar e me expressar”.


Opiniões críticas sobre a prática da dança do ventre no Brasil:


Aqui, algumas vezes, as dançarinas estão mais preocupadas com a estética corporal, em usar roupas transparentes e então fogem da tradição, do costume, acabam caindo na vulgaridade. A dança acaba perdendo a beleza de ser tradicional e estar em um país totalmente democrático. Aqui não existem tradições tão antigas. O Brasil tem 500 anos de idade, é um bebê perante o mundo inteiro. E aqui temos misturas de todo o mundo. Por isso tem gente bonita. Misturas de culturas que procuram preservar as tradições. No sul, os descendentes de alemães e italianos quando em suas danças típicas mantêm a tradição. Não alteram suas roupas típicas achando que precisam mudar os costumes porque vivem num país livre. Nas colônias alemãs as maquiagens, trancinhas nos cabelos, vestidos longos e bem grossos, permanecem sendo utilizados. Até por causa das temperaturas frias da Alemanha se dança com aquelas roupas. E mesmo vivendo no calor daqui nunca substituíram as roupas por algum tecido bem fino... Com as outras culturas acontece a mesma coisa, seja entre os japoneses, chineses, latinos ou russos que estejam morando aqui.
Mas quando o assunto é dança do ventre acontece a falta de respeito às tradições. Arrasam a dança. E quando eu tento expressar minha opinião algumas dançarinas respondem que aqui é um país livre e democrático... Muitas delas só se preocupam em se mostrar super sexy... Mas se perguntarmos aos casais e outras pessoas do público o que eles pensam sobre a dança do ventre, muitos vão dizer que é vulgar. Algumas mulheres não querem que o marido assista ao show porque muitas bailarinas quando dançam exibem uma sexualidade que incomoda. Acho que essa mentalidade estragou a dança do ventre aqui no Brasil. E acabou estragando a dança nos próprios países de origem. Estão viajando daqui para lá, com o objetivo de estragar por lá também. E conseguem, tentando dizer que é uma abertura...
Eu não concordo com a teoria de que a dança do ventre no Brasil virou moda. Não, para mim não é moda. Virou comércio, uma forma de lucrar. Mas não é moda, nem tradição. Nem sensualidade. E acho que se ensina muito mal. Por que grande parte das bailarinas não sabe que música está tocando, quem é que está cantando, qual instrumento está sendo tocado. Eu quero saber se existe um cantor que não saiba o nome dos instrumentos que estão no palco em que ele canta. Não existe isso! Quem quer ser músico tem que saber o nome dos instrumentos. O mínimo que a bailarina devia saber é o nome da música. Poucas sabem. Mas a maioria fala “eu quero dançar a música número sete!”. Dizem que não sabem o nome das músicas e acham isso normal.
Quando a gente for ensinar dança do ventre tem que ensinar primeiramente a música, dança do ventre tem que ter musica. Pode ter música árabe sem a dança, mas não pode existir dança do ventre sem música. A música pode te proporcionar essa experiência. Agora imagine se você ainda puder entender o que a musica está dizendo! Imagine o que ela poderá proporcionar. Mas tem bailarina que fala “nossa essa música é uma delícia!”, mas não sabe a letra. E mesmo sem saber nada diz que é linda. Imagine se ela souber o significado do que está tocando, em cada parte o que a música diz... Todas as músicas falam alguma coisa, têm história, por isso foram feitas. Se existe letra, mais ainda. A expressão é mais clara ainda. Mas aqui não se fala sobre isso, não se entende nada sobre isso. Temos que entender como funcionam as coisas, aqui só se mexe o corpo. E quando se mexem querem fazer tudo de forma exagerada. Muitas vezes usam os pontos mais baixos que podem colocar dentro da dança como destaque. Esquecem da simplicidade, da beleza da dança, da suavidade, da sensualidade, esquecem de tudo isso. Colocam agressividade, sexualidade, exageros, vulgaridade.
Agora está na moda inventar danças exóticas para ensinar como novidade. Acho que não precisavam inventar a dança de peneirar trigo na Jordânia. Com todo respeito à Jordânia, mas o que peneirar trigo tem a ver com dança? A dança de recolher feijão da terra? Não existem essas coisas... Vamos pelo mais tradicional. Vamos dançar um dabke, por exemplo, que tem coreografias bonitas, vamos ensinar danças folclóricas árabes, egípcias, temos tantas danças folclóricas lindas, então é isso que eu quero dizer.
Não se pode desmoralizar uma dança milenar. A dança do ventre não pertence mais aos países árabes. Ela pertence à humanidade. Nós não estamos fazendo comédia. Temos que respeitar as tradições e os costumes!

Publicado originalmente em http://corposemventre.blogspot.com/, dia 20/03/2008

11 de outubro de 2011

At Night They Dance: A noite, elas dançam.




O documentário canadense At Night They Dance está dando o que falar. E não é à toa: o filme de Isabelle Lavigne e Stéphane Thibault nos leva para dentro do fascinante e obscuro mundo das dançarinas do ventre do Egito.
Filmado antes da revolução egípcia, At Night They Dance, premiado documentário dos cineastas Isabelle Lavigne e Stéphane Thibault, oferece um olhar diferente sobre o Cairo, centrando-se nas beldades egípcias que dançam por dinheiro, quando a noite cai.
Lavigne foi a primeira a ser sugada pelo ritmo hipnotizante do Cairo, quando ela e seu marido, Thibault, visitaram a cidade num feriado há cinco ou seis anos atrás, o que era para durar duas semanas acabou se transformando em 3 anos. Enquanto estava por lá, Lavigne ficou imersa na cultura local, aprendendo a falar árabe e a dançar. Ao passar tanto tempo com o povo do Cairo, Lavigne ficou fascinada com as mulheres que viu dançando nos cabarés e eventos sociais. Ela então dividiu suas observações com Thibault. "Eu conversei com Stéphane sobre o paradoxo das dançarinas de Dança do Ventre na sociedade egípcia. Elas são amadas e adoradas, mas são também desprezadas por suas práticas consideradas vergonhosas e pecaminosas."


Sobre o filme:


Em At Night They Dance, o espectador é levado a uma comunidade do Cairo e deixado lá para compreendê-la sozinho. Essa comunidade é onde vive Reda, mãe de sete filhos, com mais um a caminho. A família de Reda é formada por dançarinas de Dança do Ventre, uma tradição cada vez mais rara entre entre as famílias em razão da corrupção do ofício por lá, que vai desde o uso de drogas à prostituição.
"Nós não queríamos nos aprofundar no lado negro dessa atividade e, depois de quatro meses pesquisando famílias, pensamos que poderíamos não fazer o filme," diz Lavigne. "Então encontramos Reda e sua família e, na mesma hora, vimos quão carismática e forte ela era. Eles nos lembraram os personagens do dramaturgo Michel Tremblay, sempre da classe trabalhadora, mulheres espirituosas."
Reda é uma personagem fantástica. Num momento, condena o comportamento dos filhos e, num outro, os defende veementemente. "Eu sempre a amei, desde o primeiro dia," declara Lavigne, com carinho. "Eu amo sua energia, sua complexidade. Ela é linda."
Mesmo linda, o que não falta é drama na casa de Reda, e ninguém de sua família parece estar nem um pouco tímido com a câmera que invade suas vidas. "O senso de intimidade deles muito diferente do nosso," explica Lavigne, citando como exemplo vizinhos que sempre olhavam pelas janelas. "A câmera era apenas como uma outra pessoa entre eles." Essa outra pessoa capta uma dicotomia que muitas vezes é bastante evasiva num filme. "Espera-se sempre que as mulheres sejam humildes e reservadas," diz Lavigne sobre um sentimento que conhece há algum tempo. "Então, você se depara com essas mulheres, numa sociedade tradicional, que têm essa força. Todas nós temos isso escondido lá dentro, o que esperam de nós e o que realmente somos." Com toda essa pressão todos os dias, não é de se admirar que dancem a noite toda.


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